Não é uma Brastemp, mas....
Erlenia Sobral
Luciana é uma brava lutadora que sobreviveu aos processos violentos de ocupação e resistência da Rosalina, mãe de seis filhos, e que hoje eu tenho o privilégio de conviver, usufruir de seus serviços aqui em casa; ainda de sua alegria constante, inexplicável, invejável e sem preocupações com as falhas no sorriso. Ainda que uma jovem senhora, ela tem muitas estórias pra contar. Compartilho com vcs sua saga na compra de uma geladeira. Não era uma Brastemp, mas...
A geladeira é hoje talvez um dos produtos que mais cumpre o tempo curto e necessário pra garantia do tempo de giro das mercadorias e garantia de consumo e lucro. Mas, não bastasse a má qualidade da mercadoria, ainda temos os processos de financiamentos de compra. Luciana não possui cartão de crédito, pois o SPC (sistema de proteção ao capital) não permite. Assim, apelou ao outro SPC (solidariedade e proteção ao carente, uma destas coisas que às vezes só encontramos nas classes subalternizadas). No caso, um amigo da comunidade cedeu seu crédito, através de uma financeira.. O produto foi então adquirido em 12 parcelas de 120,00... era o planejamento inicial.
Todos ficaram eufóricos com o bem adquirido e livres da antipatia da vizinha que já não agüentava mais ocupar sua já gasta geladeira. Passado o primeiro pagamento com tranqüilidade, nossa amiga sofreu um baque muito comum na sua profissão imersa na informalidade, no oportunismo da classe média e na “ausência” de direitos... ficou desempregada doméstica.
Mas, sem querer prejudicar o amigo solidário que lhe acudira, Luciana resolveu então fazer um empréstimo de 450,00 com um agiota pra atualizar as 3 parcelas atrasadas, penhorando o benefício que recebe por 8 meses (adicione-se 8x134, 00 ao valor total da geladeira). Mas,no processo de negociação com a financeira a agiotagem foi maior: na análise do débito em questão , a negociação possível foi 250 de entrada mais 10 parcelas de 100,00.
Contando que nem sempre o orçamento permite o pagamento em dia, Luciana já pagou muito mais juros ainda. Eu fiquei zonza ao tentar somar, mas por nossas contas o bem já está em torno de 2060,00, ainda faltando cinco parcelas pra fechar o pagamento total.
Ela relata que o afeto pelo produto já se transformou em mágoa. Quiçá, seu ódio pela dita cuja também não auxilie o tempo de giro da sofrida aquisição...
E a classe média reclamando que o ar-condicionado não é split, ...
ResponderExcluirA gente até esquece que isso acontece todo dia, meio que como quando "a gente só lembra que respira quando tem algum problema respiratório".
Eu, na minha inércia da classe média, lamento. Lembrei de uma música interessante que trata dessa temática:
http://www.youtube.com/watch?v=xWzGh_z8YmU
Ps- Fiquei feliz por sua leitura. A escrita de entrelinhas está condicionada à leitura inteligente.
É ESSA MÚSICA???
ResponderExcluirClasse Média
Max Gonzaga
Composição: Max Gonzaga
Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual
Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida